Por Eduardo Waack

Segundo o mestre Antonio Houaiss, “umbral é um local de entrada para o interior; limiar”. Pois é esta a sensação que nos cabe ao assistir ao novo single da compositora Tatiana Cobbett. Gravado em Portugal, com uma profusão de referências e a leveza das coisas que flutuam em suave evolução, “Umbral” nos envolve e apascenta. A guitarra portuguesa na introdução remete a um fado ou a uma milonga? Calma, sua voz grave mergulha na melodia extraindo a alma das palavras. Despojada, multicolorida, múltipla & compassada. Através de uma imersão em si mesma Tatiana expõe as raízes lusitanas e nossa própria ancestralidade. “Somos um povo do mar”, parece dizer, “nosso destino é partir”.

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Delicadeza, sobriedade: melancólico e saudoso amor, que se encontra e reencontra. Num barquinho de papel cruzar o oceano. Numa mesura anônima ser gentil e desconhecida. Por vielas, prainhas, varandas e paisagens ela descortina o infinito. Fina arquitetura, verbo comedido. Navegar é preciso, viver é inconstante. Alegorias, arranjos enxutos, desatino & destino. Como não se apaixonar por sua sonora mensagem? “Umbral” é uma declaração de amor. Imensidão e regresso. Música popular brasileira que atravessa fronteiras.

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O videoclipe surge do performático ensaio fotográfico Cara de Meia, em que a cantora suspende a autoimagem para dar vida ao seu alter ego. “Essa personalidade em solitude não tem gênero, idade, etnia. Só se realiza em contato com o mundo externo, no limiar da resistência à violência, ao fascismo, a essa opressão da morte sufocante da pandemia. Nela cabem todos os arquétipos, mas também a fuga deles pelo olhar de quem segue os seus passos”, afirma. No apressado cotidiano moderno, onde a opressão e a indiferença são constantes, adentrar este umbral é percorrer em liberdade a existência que se sonha e se faz por merecer.

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Em “Umbral” Tatiana está acompanhada pelo violão de Pedro Loch, a guitarra portuguesa de Bernardo Couto e o baixo de Francisco Gaspar. Edição, captação de imagens e masterização: Edu Miranda. Durante a performance, a artista caminha por Lisboa num reconhecimento geográfico próprio e ao mesmo tempo de significado histórico quando pontua lugares emblemáticos como Alfama, a Praça do Comércio (antigamente Terreiro do Paço), situada junto ao rio Tejo, ou visitando espaços de reconhecida resistência cultural.

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Ilustrações:

 1 – A Shipwreck in a Storm (1782), Jean Pillement

 2 – In Strange Seas (1889), George Willoughby Maynard

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