por Luiz Otávio Oliani *

“O tempo segue a estrada
e a gente vai ficando para trás”
Rogério Salgado

Com 49 anos de carreira literária e mais de 30 livros editados, Rogério Salgado é referência na literatura nacional. Não à toa, Wagner Torres, poeta, amigo dos idos da Revista Arte Quintal, nos anos 1980, em meio à ditadura militar e às lutas ecológicas que culminaram na criação do Sarau da Lagoa do Nado, é quem assina o prefácio deste novo livro “Antes que a lua enfarte” de Rogério Salgado (Orgânica Edtorial, 2024). No prefácio intitulado de “Poesia amadurecida”, Wagner exaltou a relação do poeta com a liberdade, um norte da existência deste fluminense mineiro. Por isso, às vezes Salgado se torna persona non grata, porque “o autor não manda recados. Chega a magoar, mas ele aponta o dedo na ferida”.

 

 

Para o prefaciador, o título do livro “por si só é um poema. Um pergaminho de lições”, e é verdade, pois os poemas refletem a visão subjetiva de um ser humano único diante de temas tão fundamentais nas letras. “Verbalizando”, poema de abertura (página 13), dedicado ao poeta Aroldo Pereira, é um metapoema forte, incisivo, pois “a palavra afiada / navalha / minha / corta quando abro / o verbo // (…) o que sai da minha boca / se necessário / machuca / feito um soco”. Rogério trabalha a carpintaria verbal incessantemente. Na “Sinfonia silenciosa” (página 19), dedicada a Eduardo Waack, há todo um trabalho de valorização do campo semântico de música, a saber: “regência orquestrada”, “partituras”, “notas musicais” e “sinfonia”, tudo para mostrar que a poesia é um exercício como a execução de boa música.


“Em dias nublados”, página 21, o eu lírico se vê “presidiário / numa cela dentro de si mesmo”. O primeiro verso do poema “Prece” (página 22) dá título ao livro. O texto em destaque tem um tom meio litúrgico e corresponde a um intenso desabafo existencial do eu lírico frente a uma realidade de sucessivos golpes cometidos contra a democracia, em 2022. Trata-se de lindo texto que revela o desejo de renascimento do eu lírico porque “quero ser só, devoto / de mim mesmo, nada mais”. Há o despedir-se da vida em “Infinito” (página 24), pois “o mundo é infinito / e a vida mais infinita ainda / quando deixamos boas lembranças / aos que se lembrarão de nós / todos os dias”.

 

 

A tristeza de “Chuva” (página 46) faz uma analogia às lágrimas do tempo no dia de finados. Se a poesia é uma arma política de quem escreve, natural encontrar em “Naquele domingo”, página 25, um poema antológico sobre o triste episódio ocorrido em 08 de janeiro de 2023, quando “selvagens ignorâncias / ousaram manchar / a liberdade de escolhas”. “Genocídio”, página 26, é outro texto que vai nesta linha, ao lamentar o descuido com os povos indígenas, entre 2020 e 2022. A crítica social perpassa “O que cabe no poema” (página 27), em alusão intertextual a “Não há vagas”, de Ferreira Gullar; juntamente com “Democracia”, página 28. Mas Rogério dá espaço ao lúdico em “Barquinho de papel”, página 35, quando o eu lírico se volta à infância. “Poema inacabado”, página 34), registra a dificuldade de finalização de um texto, o que é comum a quem vive diariamente com a palavra em mãos e nos dedos.

 

 

O filosófico-existencial atravessa “Uma porta” (página 38), quando “Meu amanhã é um mistério / mas a própria vida é um mistério / que, talvez, nunca conseguiremos desvendar”. À moda de “Cora zero”, de Carlos Drummond de Andrade, Rogério Salgado escreveu “Poeminha drummondiano”, página 41, para exaltar a dicotomia entre o eu lírico e o tempo perdido ou o tempo perdido e o eu lírico. “Tempo” (página 52) tematiza que: “Somos lembranças e temos lembranças / dentro do que somos”, em constante apego ao passado e profunda nostalgia, mas com esperança pelo amanhã. Idem ao texto “Passagem”, página 71, no qual as reminiscências são um tesouro ao eu lírico. Não à toa “Campos dos Goytacazes”, página 73, relembra a terra natal do poeta, o quinhão abençoado do nascimento. “Bons amigos” (página 42) mostra uma relação íntima entre o eu lírico e Deus que nunca o abandona. Lindos os poemas “Sua presença” e “Poema para meu pai”, páginas 60 e 62, nos quais os genitores são homenageados.

Para finalizar, Rogério Salgado sabe que escrever é uma sina, pois a sensibilidade está em “retirar da nossa linha do tempo / palavras para que pessoas leiam / e mesmo que não compreendam / admirem pelo poetar”. “Antes que a lua enfarte” vem com projeto gráfico da capa e contracapa da artdesigner Gisele Starling, do Selo Editorial Starling e miolo de Valdinei do Carmo (editor da Orgânica Editorial), prefácio do poeta Wagner Torres e texto da contracapa da poeta Biláh Bernardes. Com tiragem limitada de 300 exemplares numerados e rubricados pelo autor, o livro tem 80 páginas e poderá ser adquirido ao preço de capa de R$ 38,00 (incluindo despesas com correio). Contatos com o autor: (31) 98421.6827.

* Luiz Otávio Oliani, residente no Rio de Janeiro, é professor e escritor. Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.

 

Rogério Salgado e Luiz Otávio Oliani