Por Eduardo Waack

Autodidata, ele é um dos grandes músicos de nosso país, nascido na Zona Leste da cidade de São Paulo, filho de pais nordestinos. É figura emblemática e atuante da cena independente contemporânea. Estamos falando de Edvaldo Santana. Conheça um pouco mais de sua vida e seu popular e inspirado trabalho.

“Não há equivalente de Edvaldo Santana na música brasileira. Digo isso de um longínquo e ao mesmo tempo privilegiado posto de observação. Ele não é um Elomar porque não é sedentário, não é o sábio de uma montanha; é um andarilho, um artista em movimento. Ele não é um Cartola porque não pertence a uma geografia, a uma agremiação; ele é margem de muitos rios. Ao mesmo tempo, contém todas essas histórias. Ele aproxima pontas que parecem distantes, como Celso Blues Boy e Luiz Melodia e Augusto de Campos e Arnaldo Antunes. Por conta de tudo isso, seus discos sempre tiveram uma admirável diversidade de pontos de vista e de urdiduras musicais.” — Jotabê Medeiros, jornalista e crítico musical.

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Apresentação. Fale-nos um pouco sobre você.

Edvaldo — Sou nascido e criado num bairro da zona leste de São Paulo, São Miguel Paulista, filho de pais nordestinos, Felix do Piauí e Judite do Pernambuco, que saíram de suas cidades em busca de melhores condições de vida na metrópole paulista. Sou o filho mais velho vivo de oito irmãos; estudei em escola pública que ainda tinha um ensino muito bom e trabalhei em fábrica dos 13 aos 20 anos. Apesar de todas as dificuldades tive uma infância muito saudável nos arredores do rio Tietê, nos campos de futebol da várzea, nos clubes recreativos, nas praças, nos parques de diversões, nas brincadeiras de rua. Cheguei aos sessenta e continuo tentando aprender.

Como a música surgiu em sua vida?

Edvaldo — A música aparece através de meu pai que juntamente com outros amigos se reuniam em casa. Meu pai cantava e tocava coisas que trazia de suas andanças pelo sertão e também gostava muito de choro, Valdir Azevedo, Pixinguinha, mas rolava outros instrumentistas, Dilermando Reis, Poli, além é claro de Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e literatura de cordel, nossa lição de casa. Os amigos de meu pai, seu Gervázio e seu Valdomiro, apresentavam Teixeirinha, Jorge Veiga, Billi Blanco. Naquele momento os meios de comunicação eram mais democráticos, você podia ouvir e assistir na TV e no rádio a diversidade da música brasileira; nos festivais, nos musicais como Fino da Bossa, Show em Si, Tropicália, Jovem Guarda, Pessoal do Ceará. A música me tocou tão profundamente, que eu não resisti e resolvi cair na estrada, quando tinha vinte anos, sem ela eu já teria entregado os pontos.

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Quais suas grandes influências e pessoas que admira?

Edvaldo — Tive muita influência da música que ouvia no rádio e na TV (Jorge Bem, Noite Ilustrada, Gilberto Gil, Chico Buarque, Golden Boys, Elis Regina, Maria Bethania, Tim Maia, Sergio Sampaio, Bob Marley, João Nogueira, Adoniran Barbosa), assim como os artistas de fora que chegavam em LP como Carlos Santana no festival de Woodstock, cujo som quando chegou bateu e ficou, Jimi Hendrix, Beatles, Rolling Stones. A Vila Nitro Operário onde morávamos era bastante povoada de trabalhadores nordestinos solitários, eles encontravam uma forma de amenizar suas dores, sentimentos de saudade, de melancolia, visitando as moças da casa do brega. Como minha mãe e meu pai tocavam um bar, eu era encarregado de levar bebidas pras minas, “avião de cachaça na zona”, moleque curioso e descobrindo o mundo, acabava dando um jeito de ficar por lá um pouco e ouvia muitos boleros e guarânias, com Altemar Dutra, Carlos Alberto, Nelson Gonçalves, Tibagi e Miltinho, que são importantes no trabalho que desenvolvo. Além dessas influências em São Miguel, a gente convivia com um vizinho famoso, o grande cantor e compositor Antonio Marcos, que acabava sendo uma referência artística natural na vida da gente. Admiro John Lennon, Che Guevara, Raul Seixas, Nelson Mandela, Garrincha, Maradona, Sócrates, Mujica, Jesus, Buda. Também admiro os tocadores de pífanos, os bluezeiros, rabequeiros, repentistas, Charles Chaplin, Roberth Jonhson, Janis Joplin, Bessie Smith, Woody Guthrie, Elifas Andreato, Emilio Damiani, Paulinho da Viola, Rolando Boldrin, Novos Baianos. Gosto muito de poesia e letra de música, Noel Rosa, Cartola, Itamar Assumpção, Paulo Leminski.

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Edvaldo Santana e Lenine

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Quantos discos solo você lançou, e que estilos abrangem?

Edvaldo — Álbuns solos são nove (Lobo Solitário, Tá Assustado?, Edvaldo Santana, Amor de Periferia, Reserva de Alegria, Edvaldo ao Vivo, Jataí, Só Vou Chegar Mais Tarde, Edvaldo Santana e Banda ao Vivo 2) e mais cinco singles: Toque de Avançar, Voo Iluminado, O Meu Tio, Eu quero é mais Humanidade, Irmãos Ciganos. As obras são frutos das emoções, reflexões, sentimentos, dores, alegrias, cada uma tem sua peculiaridade, elas são absorvidas pela luz da criação, que no trabalho que desenvolvo se relaciona com a música que chegou fragmentada, com diversos sabores e cores. Posso muito bem cantar um samba choro com aquela ralentadinha da morna, como tocar uma salsa com pegada de rock. Cada momento de criação vivido intensamente, apresenta o coração do artista e desperta sua mente inventiva.

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Quais seus principais parceiros musicais, e músicos com quem tocou e gravou?

Edvaldo — Parceiro sempre é principal, tive oportunidade de conhecer grandes artistas e aprender muito, posso citar alguns com quem escrevi músicas, outros com quem gravei: Augusto e Haroldo de Campos, Akira Yamasaki, Ademir Assunção, Arnaldo Antunes, Chico Cesar, Fabiana Cozza, Fernando Teles, Glauco Mattoso, Lenine, Osnofa, Quinteto em Branco e Preto, Rappin’Hood, Thaide, Titane, Tom Zé, Zélia Duncan. Nas gravações dos álbuns, sempre tive o prazer de contar com músicos maravilhosos e amigos, que tive o privilégio de cantar e tocar juntos: Luiz Waack, Reinaldo Chulapa, Bene Chiréia, Paulo Lepetit, Mintcho Garrammone, Bocato, Yaniel Matos, Eduardo Batistela, Marco da Costa, Daniel Szafran, Adriano Magôo, Ricardo Garcia, Antonio Bombarda, Kuki Stolarski, Leandro Paccagnella, Bira de Castro, Ricardo Cristaldi, Claudio Faria, Hugo Hori, Simone Julian, Ana Amélia, Miriam Maria, Bosco Fonseca, e outros.

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Comente o festejado “Só vou chegar mais tarde”.

Edvaldo — Pois é, ele foi produzido por mim e Luiz Waack; capa e projeto gráfico levam assinatura de Dennis Vecchione. São canções que escrevi nos quatro últimos anos, ideias que refletem o que sinto agora. Pela sintonia dos timbres e frequências, esse novo trabalho tem uma pegada de choro, folk, blues, ragtime, samba, jazz, rock, bolero. A maioria das músicas são de minha autoria, mas também temos uma parceria com Augusto de Campos numa tradução do poeta provençal Guillaume de Poitiers e outra com Luiz Waack, “Gelo no Joelho”, grande músico que já há algum tempo vem dividindo comigo os trabalhos de produção musical. Há participações de Alzira Espíndola e Rita Beneditto. Esse é o desafio da arte, sua dinâmica exige uma entrega completa.

Suas atividades como arranjador musical.

Edvaldo — Eu sou autodidata, então as coisas funcionam na intuição, no momento da criação, faço alguns vocalizes que acabam servindo de elementos para os arranjos, gravo a melodia e a harmonia e vou sugerindo intervenções, contra pontos. O suingue tá na levada, isso é muito pessoal. Faço a direção musical da Missa Afro em Itu, acredito que continuo aprendendo, mas já posso contribuir um pouco e isso é bom demais.

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Participando da missa em comemoração ao Dia da Consciência Negra na Igreja de São Benedito em Itu (SP), 2022

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O que pensa de uma América Latina mais unida e solidária?

Edvaldo — Gostaria que o mundo todo estivesse mais unido e solidário, se a América Latina se ligar, se aproximar, vai ter mais força no cenário mundial, para cuidar melhor de suas populações. Os europeus e norte-americanos sempre tomaram conta da América, saqueando em nome da Cruz no começo, hoje estimulando guerras, vendendo armas para todos, tentando desestabilizar governos.  Acho muito bom o Brasil abrir fronteiras com os vizinhos, o povo que veio de fora vive aqui há muitos anos, o mundo é muito grande, se houver paz, respeito e harmonia vai ter lugar pra todo mundo viver bem.

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Qual sua opinião sobre o panorama cultural e musical no Brasil atual?

Edvaldo — Do ponto de vista de mercadoria o que se propaga é talvez a música mais descartável que já produzimos, como criador não me envolvo com as prateleiras, tenho uma reserva de pérolas que a música do mundo produz, que me alimenta. Existe uma defasagem grandiosa, entre o que se cria e o que se divulga, a arte sempre supera a expectativa, essa maneira de tratar a música como pasta de dente, não traz novidades e limita a criatividade. A internet tem contribuído para difusão de artistas talentosos que estão fora da mídia oficial, tenho muita fé nas novas gerações, que vivem nesse momento uma democracia, mesmo com alguns defeitos de fabricação. Tenho visto muita gente lançando discos, livros, filmes, quadrinhos, apresentando shows, peças, saraus, o momento é bom.

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Como as pessoas podem contatá-lo e apoiar ou adquirir o trabalho desenvolvido por você?

Edvaldo — Contatos: telefone (11) 97589-7705, os e-mails edvaldosantana@hotmail.com e edvaldosantanampb@gmail.com. Também estou nas redes sociais.

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Quais seus planos para o futuro?

Edvaldo — Não sou de fazer planos para o futuro, prefiro viver e fazer agora, já tem muita coisa pra agilizar, lançar o disco novo, se possível no Brasil e na Europa, fazer shows, dar aulas de violão para crianças no interior, finalizar e lançar livro sobre o bairro que nasci e fui criado, São Miguel Paulista; se der tudo certo começar a produzir um documentário sobre a obra que venho desenvolvendo há mais de 40 anos. Fazer um show comemorativo dos trinta anos do álbum “Tá Assustado?”.

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A Poda da Rosa

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Choro de Outono

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O Jogador

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