Por Eduardo Waack

 

Neste país onde a cultura é negligenciada pelas autoridades e por grande parcela da população, onde abunda a exploração da sexualidade, da violência e do consumismo, é uma honra e uma alegria receber mais um lançamento do escritor Rogério Salgado. “Envolver na Criação”, livro comemorativo dos seus quarenta e cinco anos de atividades poéticas, reúne os 45 poemas preferidos do autor. Com a chancela da editora Costelas Felinas e capa do artista-plástico mineiro Vander Lúcio, mergulhar em sua leitura é uma agradável experiência e uma viagem na arte da escrita. Atrás da aparente simplicidade dos poemas de Rogério existem múltiplas possibilidades de interpretação. Seu estilo é direto, vindo do coração e da mente criativa, envolvendo o leitor numa atmosfera lírica. Engajado, ele expõe os principais acontecimentos de nosso tempo, e expressa a vez e a voz daqueles que não tem voz e nem vez.

 

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O autor, carioca nascido em 1954 mas desde 1980 radicado em Minas Gerais, explica: “Todo livro é uma realização. Esse me deixou mais realizado profissionalmente, por ter conseguido chegar aos 45 minutos do segundo tempo. Quando recebi a proposta da Cláudia Brino e Vieira Vivo, da Edições Costelas Felinas, era para ser um livro de 40 páginas, mas solicitei que gostaria muito de publicar os 45 poemas que mais senti prazer em ter escrito e eles generosamente toparam. É um livro com tiragem de apenas 70 exemplares e por isso, se tornará raridade logo, logo.”

 

Para Rogério cada poema é único, e ele não se rende a modismos. Admiro seu trabalho desde meados da década de 1980, e hoje somos irmãos de fé. Faço parte de sua legião de admiradores. Sua humildade é característica dos grandes mestres que compõe uma obra densa e multicolorida, que permanecerá viva para as futuras gerações. Ele não nega uma palavra de apoio a quem se aproxime, seja na rua ou nas academias, e com simpatia coleciona amigos e leitores nos mais diversos rincões do país. Seu entusiasmo contagia, seu companheirismo é fato, e sua maestria literária indiscutível, dono de um estilo único onde cotidiano, memórias, anseios e sonhos misturam-se.

 

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Para a editora Cláudia Brino, “realizar essa obra comemorativa de Rogério Salgado com certeza é motivo de honra e orgulho. Um autor que já admirávamos e que agora faz parte de nosso catálogo. É muito bom. Sem contar que o livro une 45 anos de carreira e com isso traz em suas páginas estilos variadíssimos repletos de riqueza poética.” Vieira Vivo, esposo de Cláudia e companheiro de ofício, relembra a produção dos exemplares: “Um a um: impressos, dobrados, costurados, encadernados, refilados e finalmente entregues… E isto, movidos unicamente por idealismo… Só podemos considerar um presente”. Um presente para todos nós, que apreciamos a literatura brasileira contemporânea.

 

O artista-plástico Vander Lúcio compreende a arte como um instrumento singular, uma força motriz geradora de perspectivas e possibilidades infinitas. É enfático: “Tive o livre prazer de expressar o novo e imprevisível ao falar por desenho o colorido das poesias de Rogério Salgado, que vem há tempos tocando seus leitores. É uma experiência de descobertas e aprendizados em que a soma de valores pessoais e artísticos atinge mentes anteriormente inertes.”

 

“Cada poema do livro tem sua época, sua fase. Raramente escrevo sobre temas específicos. A poesia vem ou não vem. E cada uma veio no momento certo. Portanto, cada poema representa o sentimento do que estava rolando na minha cabeça quando foi feito. Tem poemas de 25 anos atrás e poemas escritos recentemente”, explica Rogério. Tendo publicado Tontinho, seu primeiro livro, em 1982 e editado na década de 1980 a revista Arte Quintal, ele veio ano após ano acrescentando um tijolo no enorme e sólido edifício de sua criação poética, posto que hoje Rogério é um verdadeiro monumento nacional, tanto aclamado quanto admirado e respeitado. “45 anos de carreira é um sentimento de realização. Sobreviver todos esses anos apenas de literatura, desculpe a não modéstia, mas é para poucos que tem coragem. Sempre acreditei naquilo que fiz e sempre realizei meus sonhos, sem medo de ir à luta. Profissionalmente, sou poeta.”

 

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A professora e escritora Virgilene Araújo, paixão e estímulo do poeta, que ao seu lado realizou entre 2005 e 2014 o Belô Poético — Encontro Nacional de Poesia, em Belo Horizonte, conclui: “Poetizar sempre. A poesia de Rogério Salgado muitas vezes é alma ferida, sensibilidade que agita no meio da multidão. Noutras vezes é serena, um evaporar que emana a paz que nem sempre o poeta tem. É o ar que respirado, no juízo inspirado transpira sal e calor. É a inocência ao avesso, são cores em branco e preto, o fim do breve começo; ontem, hoje e amanhã.”

 

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